terça-feira, 23 de março de 2010

depois de um tempo.

"Descobri que não tenho mais aquela paciência que eu tive um dia. É que cansa, sabe? Gente que sorri demais, é muito legal, quer forçar intimidade. Isso me incomoda. Não tenho mais saco pra sair quando não tenho vontade, pra ser obrigada a incorporar a cara de sou-muito-legal, pra congelar o sorriso e fazer cara de puxa-como-você-tem-um-papo-interessante. Não consigo mais. Não tenho mais paciência pra ser a querida, a amiga, a ouvinte, a conselheira, a que sempre tem uma boa palavra embaixo das axilas. Não. Eu cansei. Cansei de cara feia, de gente abusada, de gente falsa. E eu, que acreditei tanto nos outros, hoje percebo que nem tudo o que é dito é real. E eu, que acreditei tanto em mim, já me deixei muito na mão. E mereço muitas chibatadas - em praça pública, pra passar vergonha - por isso. E eu, juro, cansei de reclamar. Pelo menos hoje. É que reclamar cansa. Então eu tô saindo da cena da reclamação. Volto quando a cortina abrir novamente."

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Por trás da vidraça.

Cá entre nós: fui eu quem sonhou que você sonhou comigo?
Ou teria sido o contrário?
Sonhei que você sonhava comigo. Mais tarde, talvez eu até ficasse confuso, sem saber ao certo se fui eu mesmo quem sonhou que você sonhava comigo, ou ao contrário, foi quem sabe você quem sonhou que eu sonhava com você. Não sei o que seria mais provável. Você sabe, nessa história de sonhos — falo o óbvio —, nunca há muita lógica nem coerência. Além disso, ainda que um de nós dois ou os dois tivéssemos realmente sonhado que um sonhava com o outro, também é pouco provável que falássemos sobre isso. Ou não? Sei que o que sei é que, sem nenhuma dúvida:
Sonhei que você sonhava comigo. Certo? Não, talvez não esteja nada certo. Também não era isso o que eu queria ou planejava dizer. Pelo menos, não desse jeito embaçado como uma vidraça durante a chuva. Por favor, apanhe aquele pequeno pedaço de feltro que fica sempre ali, ao lado dos discos. Agora limpe devagar a vidraça — quero dizer, o texto. Vá passando esse pedaço de feltro sobre o vidro, até ficar mais claro o que há por trás. Lago, edifício, montanha, outdoor, qualquer coisa. Certamente molhada, porque só quando chove as vidraças embaçam. Será? Não tenho certeza, mas o que quero dizer, disso estou certo, começa assim:
Sonhei que você sonhava comigo. Agora penso que é também provável que — se realmente fui mesmo eu a sonhar que você sonhou comigo; e não o contrário — eu não estivesse sonhando. Nada de sono, cama, olhos fechados. É possível que eu estivesse de olhos abertos no meio da rua, não na cama; durante o dia, não à noite — quando aconteceu isso que chamo de sonho. Embora saiba que — se foi dessa forma assim, digamos, consciente — então não seria correto chamá-la de sonho, essa imagem que aconteceu —, mas de imaginação ou invento até mesmo delírio, quem sabe alucinação. Mas não, não é isso o que quero contar, O que quero contar, sei muito bem e sem nenhuma hesitação, começa assim:
Sonhei que você sonhava comigo. Parece simples, mas me deixa inquieto. Cá entre nós, é um tanto atrevido supor a mim mesmo capaz de atravessar — mentalmente, dormindo ou acordado — todo esse espaço que nos separa e, de alguma forma que não compreendo, penetrar nessa região onde acontecem os seus sonhos para criar alguma situação onde, no fundo da sua mente, eu passasse a ter alguma espécie de existência. Não, não me atrevo. Então fico ainda mais confuso, porque também não sei se tudo isso não teria sido nem sonho, nem imaginação ou delírio, mas outra viagem chamada desejo. Verdade eu queria muito. Estou piorando as coisas, preciso ser mais claro. Começando de novo, quem sabe, começando agora:
Sonhei que você sonhava comigo. Depois que sonhei que você sonhava comigo, continuei sonhando que você acordava desse sonho de sonhar comigo — e era um sonho bonito, aquele —, está entendendo? Você acordava, eu não. Eu continuava sonhando, mas na continuação do meu sonho você tinha deixado de sonhar comigo. Você estava acordado, tentando adequar a imagem minha do sonho que você tinha acabado de sonhar à outra ou à soma de várias outras, que não sei se posso chamar de real, porque não foram sonhadas. Mas, se foi o contrário, então era eu, e não você, quem tentava essa adequação — nessa continuação de sonho em que ou eu ou você ou nós dois sonhamos um com o outro. Nos víamos? Quase consegui, agora. Preciso simplificar ainda mais, para começar de novo aqui:
Sonhei que você sonhava comigo. Depois, fiquei aflito. E quase certo de que isso não tinha acontecido. O que aconteceu, sim, é que foi você quem sonhou que eu sonhava com você. Mas não posso garantir nada. Sei que estou parado aqui, agora, pensando todas essas coisas. Como se estivesse — eu, não você — acordando um pouco assustado do bonito que foi ter tido aquele sonho em que você sonhava comigo. Tão breve. Mas tudo é muito longo, eu sei. Estou ficando cansativo? Cansado, também. Está bem, eu paro. Apanhe outra vez aquele pedaço de feltro: desembace, desembaço. Choveu demais, esfriou. Mas deve haver algum jeito exato de contar essa história que começa e não sei se termina ou continua assim:
Sonhei que você sonhava comigo. Ou foi o contrário? Seja como for, pouco importa: não me desperte, por favor, não te desperto.

O Estado de S. Paulo, 9/12/1987

Meu Deus, não sou muito forte, não tenho muito além de uma certa fé — não sei se em mim, se numa coisa que chamaria de justiça-cósmica ou a-coerência-final detodas-as-coisas. Preciso agora da tua mão sobre a minha cabeça. Que eu não perca a capacidade de amar, de ver, de sentir. Que eu continue alerta. Que, se necessário, eu possa ter novamente o impulso do vôo no momento exato. Que eu não me perca, que eu não me fira, que não me firam, que eu não fira ninguém. Livra-me dos poços e dos becos de mim, Senhor.

( Caio Fernando Abreu )

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

MAS VAI PASSAR!

'' Eu não me arrependo de você
Cê não me devia maldizer assim
Vi você crescer
Fiz você crescer
Vi cê me fazer crescer também
Prá além de mim...

Não, nada irá neste mundo
Apagar o desenho que temos aqui
Nem o maior dos seus erros
Meus erros, remorsos
O farão sumir...''


( Caetano Veloso )

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Escuta aqui, cara, tua dor não me importa. Estou cagando montes pras tuas memórias, pras tuas culpas, pras tuas saudades. As pessoas estão enlouquecendo, sendo presas, indo para o exílio, morrendo de overdose e você fica aí pelos cantos choramingando o seu amor perdido. Foda-se o seu amor perdido. Foda-se esse rei-ego absoluto. Foda-se a sua dor pessoal, esse seu ovo mesquinho e fechado.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

só o tempo.

"Aprendi a amar menos, o que foi uma pena, e aprendi a ser mais cínica com a vida, o que também foi uma pena, mas necessário. Viver pra sempre tão boba e perdida teria sido fatal."

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

'' Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel! ''

Mario Quintana - A Cor do Invisível

domingo, 27 de setembro de 2009

'' Cansei de tanto procurar
Cansei de não achar
Cansei de tanto encontrar
Cansei de me perder

Hoje eu quero somente esquecer
Quero o corpo sem qualquer querer
Tenhos os olhos tão cansados de te ver
Na memória, no sonho e em vão

Não sei pra onde vou
Não sei
Se vou ou vou ficar
Pensei, não quero mais pensar
Cansei de esperar
Agora nem sei mais o que querer
E a noite não tarda a nascer
Descansa coração e bate em paz ''


( Simons & Marques / Alberto Ribeiro )

terça-feira, 22 de setembro de 2009

CONFUSÃO!

''...porque eu quero sair dessa casa
Porque eu quero bater as asas
E quero ficar mais solta
E quero ficar mais louca

Às vezes fico cansada
Às vezes fico animada
Às vezes quero você comigo
Às vezes quero o impossível

Cabeça gira, gira, gira, gira, gira, gira
Cabeça gira, gira, gira, gira, gira, gira...''

( Ana Cañas )


sexta-feira, 18 de setembro de 2009

LEVE, BEM MAIS LEVE!

''...mesmo sem saber o que virá depois
Calada, lembro do que houve entre nós dois
Me encontro sentada no quarto, e você não vem

Ah como era doce ver você chegar
Fazendo o dia inteiro mudar de lugar
Com seu jeito de quem não quer perturbar
Mas quer a própria confusão que me tirava do ar

Agora eu só te encontro aqui nessa canção
Louca pela vida canta com emoção
Triste e bonita como ninguém mais

Agora eu só te toco aqui nessa canção
Parte da minha vida canta com emoção
Linda me ensina a continuar...

Vou insistindo em não pirar de vez
É o que há de melhor em mim e o que me faz crescer
Não há ninguém no mundo inteiro capaz de dizer
O que eu posso, o que eu não posso, o que eu devo fazer...

O que há de positivo depois que acabou
Saber o que foi desperdício o que o ficou de bom
Você se foi pelo caminho
Te desejo amor, seja feliz por que daqui pra frente eu sei que vou...

(...)

Mesmo sem saber o que virá depois
Calada, lembro do que houve entre nós dois
Encontro um bom motivo em minha voz
Para não te ver mais

Eu abro aquele vinho que ficou guardado
Eu ponho aquele disco do verão passado
E já não estou ligando se você ligar
Porque agora bem mais leve, eu não vou te escutar...’’

(Rafael Ribeiro / Fábio Cascadura)

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

descoberta.

"Chorei três horas, depois dormi dois dias.Parece incrível ainda estar vivo quando já não se acredita em mais nada. Olhar, quando já não se acredita no que se vê. E não sentir dor nem medo porque atingiram seu limite. E não ter nada além deste amplo vazio que poderei preencher como quiser ou deixá-lo assim, sozinho em si mesmo, completo, total."


Tenho achado encantador como Caio Fernando Abreu tem me dito tantas verdades e muitas vezes definido sentimentos que nem eu sabia que existiam dentro de mim e tenho amado isso, essa descoberta. E tenho amado o Caio e seus Morangos Mofados.



sexta-feira, 11 de setembro de 2009

PONTO FINAL!

"...Mas se eu tivesse ficado, teria sido diferente? Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais — por que ir em frente? Não há sentido: melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma fotografia — qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê. Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um tempo perdido.
Tinha terminado, então. Porque a gente, alguma coisa dentro da gente, sempre sabe exatamente quando termina.
Mas de tudo isso, me ficaram coisas tão boas. Uma lembrança boa de você, uma vontade de cuidar melhor de mim, de ser melhor para mim e para os outros. De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma outra pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir nenhum comportamento. Ser novo..."

( Caio Fernando Abreu )

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

no picadeiro!

Um mulambo qualquer é o amor que vagueia em mim.
Com figurino de trapezista.
Com maquiagem de equilibrista.
Com coração de atirador de facas !

sábado, 8 de agosto de 2009


Meus olhos cansados procuram
Descanso no verde do mar
Como eu procurei em você
O descanso que a vida não dá
Seria talvez bem mais fácil
Deixar a corrente levar
Quem sabe no fundo eu quisesse
Que tu me viesses salvar
Depois, lá no alto das nuvens
Você me ensinava a voar
Mais tarde no fundo da mata
Você me ensinava a beijar
Meus olhos cansados do mundo
Não se cansam de contemplar
Tua face, teu riso moreno
Teus olhos do verde do mar
Meus olhos cansados de tudo
Não cansam de te procurar
Meus olhos procuram teus olhos
No espelho das águas do mar
Supõe que eu estivesse morrendo
Mas não te quisesse alarmar
Pensei que você não soubesse
Que eu me queria matar
Meus olhos cansados de tudo
Não cansam de te procurar
Meus olhos procuram teus olhos
No espelho das águas do mar !

( Antonio Carlos Jobim )

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

ANGÚSTIA!

"Há nas minhas recordações estranhos hiatos. Fixaram-se coisas insignificantes. Depois, um esquecimento quase completo. As minhas ações surgem baralhadas e esmorecidas como se fossem de outra pessoa. Penso nelas com indiferença. Certos atos parecem inexplicáveis. Até as feições das pessoas e os lugares por onde transitei perdem a nitidez."
(Graciliano Ramos)