quinta-feira, 27 de novembro de 2008

- Laços!

- Ah! Eu vou chorar.
- A culpa é tua - disse o principezinho. - Eu não queria te fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...
- Quis - disse a raposa.
- Mas tu vais chorar! - disse ele.
- Vou - disse a raposa.
- Então, não terás ganho nada!
- Terei, sim - disse a raposa - por causa da cor do trigo.
Depois ela acrescentou:
- Vai rever as rosas. Assim, compreenderás que a tua é a única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te presentearei com um segredo.
O pequeno príncipe foi rever as rosas:- Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativastes ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu a tornei minha amiga. Agora ela é única no mundo.
E as rosas ficaram desapontadas.
- Sois belas, mas vazias - continuou ele - Não se pode morrer por vós. Um passante qualquer sem dúvida pensaria que a minha rosa se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mais importante que todas vós, pois foi ela quem eu reguei. Foi ela quem pus sob a redoma. foi ela quem abriguei com o pára-vento. Foi nela queu eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi ela quem eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes, já que ela é minha rosa.
E voltou, então, à raposa:
- Adeus...- disse ele.
- Adeus - disse a raposa. - Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.
- O essencial é invisível aos olhos - repetiu o príncipe, para não esquecer.
- Foi o tempo que perdeste com tua rosa que a fez tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa...repetiu o príncipe, para não esquecer.
- Os homens esqueceram essa verdade - disse ainda a raposa - Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que tu cativas. Tu és responsável pela tua rosa...
- Eu sou responsável pela minha rosa...- repetiu o príncipe, para não esquecer...'


(Antoine de Saint- Exupéry - O pequeno Príncipe )


É importante compreender que laços não existem simplesmente mas são criados, exigem dedicaçao. É algo que se tece e do qual nunca se tem certeza. Não se vê, não se prova que existe. E que mesmo na incerteza precisamos empenhar todo nosso corpo para zelar por ele, em cada gesto.
É importante, pois tudo o que fazemos é buscar encontros. Nas cores que pintamos, nas palavras que escolhemos, na roupas, no adornos, nas comidas, nas caminhadas, nas viagens, em cada coisa que realizamos, por tras está o empenho de realizar um encontro. O que fazemos é estender nossa mao ao mundo para vermos se ele nos conta que sim, estamos aqui, que sim, somos. Fazemos para provar que vivemos. É nisso que teimamos. E de vez em quando, conseguimos um encontro, somos tocados por algo no mundo. Algo fora de nós que nos diz respeito. Cativamos e somos cativados. Marcamos nossa vida com algo invisivel, incerto e irremediavel. E a partir de entao nos apoiamos vertiginosamente nessa fragilidade.
Os laços são o impossivel que acontece. O erro em todas as previsoes. Aquilo que escapa ao esperado. Aquilo que por todas as leis nao tem como ser, mas que, irremediavelmente, é. Digo que são bolhas de sabao, algo que existe quase imperceptivelmente de tão leve, mas que deposita todo o seu valor em seu peso infimo. Sábia é uma pessoa que compreende o peso se uma bolha de sabão, essa quase que insustentavel leveza que traz mais razão pra vida do que qualquer certeza.
Toda felicidade vem com a resposabilidade de segurar uma bolha de sabão nas mãos, a responsabilidade eterna de cativar alguem. Quer dizer, pode-se viver sem estar cativo, sem se reportar a nada, sem alimentar expectativas de ninguem e viver livre. Viver livre dentro de um corpo que nada toca e lógico, sem campos de trigo. Mas o que eh uma vida sem campos de trigos?
Se ha alguem que compreende bolhas de sabão é o pequeno principe.

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